Saúde em Português

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Instituição de Utilidade Pública de Portugal; Registo 1423/99 do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal; Membro da Plataforma Portuguesa das Organizações Não Governamentais para o Desenvolvimento; Membro Associado da Confederação Ibero Americana de Medicina Familiar; Membro Observador Consultivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa; Membro do Fórum Não Governamental para a Inclusão Social

12/03/10

Missão "Salvar vidas no Haiti" - Entrevista com Ricardo Marquez no Açoriano Oriental


Entrevista com Ricardo Marquez no Açoriano Oriental

Por Paula Gouveia

“Com dezoito mil euros temos feito milagres no Haiti”

O médico do Centro de Saúde da Praia da Vitória regressou há dois dias do Haiti, onde esteve em missão pela associação Saúde em Português. Mas se pudesse voltaria amanhã.

PG: O que o motivou a ir nesta missão para o Haiti?

RM: Eu trabalho na assistência a vítimas de catástrofes desde 1999 - quando comecei a ter formação nessa área - e a motivação, penso que será a mesma de qualquer português quando vê e ouve notícias do Haiti ou de uma catástrofe - fica-se com vontade de ajudar. É fácil estar motivado para uma situação desta, mas não chega estar motivado - é preciso estar preparado para poder realizar uma missão e poder chegar junto às vítimas.
PG: O que procuraram fazer no terreno?

RM: Nós fomos numa missão sem nenhum tipo de apoio financeiro do Estado português. Inicialmente, foi uma missão difícil, porque a logística estava muito reduzida - não só financeiramente, mas também porque inicialmente éramos só dois elementos. Fomos trabalhar directamente com as Nações Unidas, integrados em várias ONG’s. Estivemos com uma brigada médica de assistência psicológica da Faculdade de Psicologia - quando ocorreu a catástrofe juntaram-se vários médicos, enfermeiros, estudantes e psicólogos numa brigada de assistência à vítima e quando chegamos fomos integrados na brigada, para coordenação e orientação de situações de catástrofe e, sobretudo, para assistência a uma população de quase 20 mil pessoas. As imagens de destruição, mas também de alguma impotência e falta de organização do país, correram o mundo.

PG: Qual foi o cenário que encontrou e quais foram as suas emoções no terreno perante tamanha catástrofe?

RM: Penso que nenhum país está preparado para uma catástrofe com esta magnitude. E infelizmente aconteceu no Haiti, um país que não tinha nenhuma infra-estrutura em condições, nem uma organização para dar resposta a uma situação normal, quanto mais a uma situação de crise, o que piorou imenso uma assistência em condições e em tempo útil. O país está completamente devastado. Tive oportunidade de ir ao local do epicentro do sismo e é impressionante... Não há um prédio inteiro! E mesmo dentro da capital, Port-au-Prince, onde estivemos a trabalhar, poucos são os edifícios que estão em pé e os que estão de pé têm grandes rachas e não oferecem condições para habitação ou trabalho. As principais infra-estruturas, como hospitais, caíram e os que ficaram de pé, ficaram mas com poucas condições. Tudo ficou devastado e a cidade ficou um autêntico caos, com as pessoas a morarem em tendas. E isto vai demorar ainda muitos anos - a situação vai ficar no coração e na mente da população haitiana. Vai ser muito difícil recuperar de um abalo psicológico como este.

PG: Perante tantas dificuldades, o que conseguiram fazer?

RM: Quando chegamos não tínhamos rigorosamente nada. Só tínhamos 1500 dólares, uma logística muito reduzida para poder iniciar uma missão. E há dias quando saímos do Haiti, deixamos uma missão completamente diferente! Com o apoio do Governo argentino conseguimos um contentor com comida para distribuir no nosso campo, conseguimos medicamentos, equipamentos médicos, também com a ajuda de outros países. E assistíamos 150 pessoas por dia no local onde estávamos - em frente ao Palácio do Governo. E todos os dias, havia há volta de 20 pessoas referenciadas para apoio psicológico. Conseguimos ter uma farmácia e fazer um plano de vacinação - vacinamos à volta de 480 pessoas de um outro campo. Estamos a dar apoio a um orfanato - com cerca de 52 crianças. Conseguimos camas, mosquiteiros, montar tendas para estas crianças. É maravilhoso para quem tem poucos recursos... Há organizações que foram para o Haiti com o apoio do Estado português com 100 a 200 mil dólares e chegaram à República Dominicana e a primeira coisa que fizeram foi comprar um carro. Infelizmente há organizações portuguesas que no terreno não estão a fazer um bom trabalho.

PG: De que organizações está a falar?

RM: Não vale a pena referir... Nós temos neste momento uma equipa de sete elementos. Com um concerto que se fez em Coimbra e com o apoio das Nações Unidas, estamos a fazer um trabalho brilhante para a quantidade de dificuldades que tivemos. Temos agora um projecto para criação de um centro de saúde, avaliado em 248 mil dólares - para fundos da OMS. Esperamos começar a desenvolver o projecto já no mês de Abril.

PG: Como conseguem manter as pessoas lá?

RM: Conseguimos com a receita do concerto - 18 mil euros. Com 18 mil euros temos feito milagres no Haiti: conseguimos mandar as equipas para o terreno com base num orçamento muito rigoroso, mas precisamos de mais. Temos alguns fundos da associação... mas são poucos. O que faríamos com 100 mil?!

PG: Estão a desenvolver alguma campanha para angariação de fundos?

RM: Sim. Trouxemos do Haiti uns desenhos que as crianças fizeram e vão ser expostos com o objectivo de angariar fundos para o orfanato. E vamos insistir na angariação de fundos porque o Haiti precisa. Nem em cem anos o Haiti estará reconstruído.

PG: Quais são as prioridades no Haiti e como as pessoas podem contribuir?

RM: O Governo começou a acordar e a assistir a reuniões das Nações Unidas e a dar atenção às organizações que estão a trabalhar no terreno. De modo que as prioridades são os cuidados de saúde primários (controlo de epidemias), reconstrução de escolas e hospitais. Outra prioridade é a reconstrução de serviços básicos - água, saneamento - e distribuição de alimentos. Está tudo, tudo, tudo destruído!

PG: É difícil sair do Haiti, sabendo que ainda há muito para fazer?

RM: É difícil chegar a Portugal e olhar para trás e não ficar com vontade de regressar para continuar a ajudar as pessoas. Mas, também em Portugal é preciso ajudar - basta ver o que aconteceu na Madeira. Mas seja no Haiti, na Madeira, no Chile, temos é de dar o nosso melhor, pois quando saímos desses lugares ficamos com a sensação que o muito pouco que fizemos significou muito. E a verdade é que, amanhã, voltaria outra vez!

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