Saúde em Português

Saúde em Português
Instituição de Utilidade Pública de Portugal; Registo 1423/99 do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal; Membro da Plataforma Portuguesa das Organizações Não Governamentais para o Desenvolvimento; Membro Associado da Confederação Ibero Americana de Medicina Familiar; Membro Observador Consultivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa; Membro do Fórum Não Governamental para a Inclusão Social

26/12/11

26 de Dezembro de 2004 | Tsunami no sudoeste asiático

«“Em casa, a celebrar o Natal, não imaginávamos o que iria acontecer. Estávamos a ver televisão e de repente ouvimos barulho… Saímos para ver o que era e demos de cara com este enorme desastre… Parecia o fim do mundo. Desatámos a correr, fugimos como pudémos. Mas muita gente não conseguiu escapar. Eu perdi 2 filhos”, narrava um pescador da pequena vila de Valvettithurai, a 28 quilómetros de Point Pedro». 
(Manuel Alegre Portugal, in Ser Solidário, estórias de amor e paz)






A 26 de Dezembro de 2004 o mundo acordou com a notícia de uma das maiores tragédias humanitárias de sempre.
Um sismo e tsunami devastadores, no sudeste asiático, matou mais de 230 000 pessoas em catorze países diferentes e inundando comunidades costeiras com ondas de até 30 metros de altura.

Reproduzimos hoje, em memória das vítimas, um artigo do jornalista Manuel Alegre Portugal, publicado no livro 'Ser Solidário, estórias de amor e paz', acompanhando a equipa de Saúde em Português no terreno.

Saúde em Português no Sri Lanka – a visão do jornalista

Em Setembro de 2005, uma equipa da RTP aterrou no aeroporto internacional Bandaranaike, em Colombo, a capital comercial do Sri Lanka.
Dez meses depois do tsunami, acompanhado pelo repórter de imagem Cláudio Calhau, eu não sabia ainda o que iríamos encontrar, alguns dias depois, no norte e nordeste do país.
Durante dois dias, enquanto vencíamos as burocracias necessárias para reaver o material de reportagem que tinha ficado zelosamente retido pelas autoridades da alfândega, o chefe da missão humanitária da Associação Saúde em Português (ASP) no Sri Lanka, Ricardo Marquez, foi avançando algumas pistas.
Mas foi preciso aterrar em Jaffna para perceber que tínhamos feito muito mais do que uma mera viagem entre províncias do mesmo país.
Tínhamos cruzado a fronteira de uma nação politicamente dividida e entrado no coração tamil do Sri Lanka.
A guerrilha dos tigres estava em período de tréguas, mas havia no ar o cheiro da tensão que crescera desde o tsunami e o eco de relatos de atentados contra as forças governamentais que estavam, em peso, no terreno.
Não passou um dia, até que percebêssemos o papel dos voluntários da ASP e das restantes organizações não governamentais, poucas, que estavam a trabalhar na região.
Eles eram os guardiões da esperança numa das parcelas do Sri Lanka mais devastadas pelo tsunami. Uma garantia diplomática contra o esquecimento a que tinham sido votadas as populações de muitas cidades e aldeias. “Quando aqui chegámos, seis dias depois do tsunami, fomos os primeiros a trazer ajuda aos médicos do Hospital de Point Pedro, mergulhados num enorme caos e sem mãos a medir perante tantas vítimas e desalojados”, explicou-nos o Dr. Ricardo Marquez. “Foi duro, mas valeu a pena”.
Nandri – obrigado em Tamil. “Nandri”, ouvimos, ao entrar no Hospital de Point Pedro.
Um obrigado dirigido aos voluntários da ASP pelo Dr. Kathiravelpillai, director da Unidade.
“Nandri, nandri”, repetiam as pessoas que entrevistávamos em cada consulta que as equipas da ASP partilhavam com os Médicos do Mundo em 47 campos de desalojados.
“Nandri”, respondemos, quando saboreámos a primeira chávena de chá. O famoso chá do Ceilão que encantou os portugueses que há cinco séculos atrás desembarcaram na Taprobana, cantada por Camões.
Contas feitas aos estragos deixados pelo tsunami, só na província de Jaffna, em 450 mil habitantes, mais de 40 mil pessoas foram afectadas, 1200 perderam a vida. “Em casa, a celebrar o Natal, não imaginávamos o que iria acontecer. Estávamos a ver televisão e de repente ouvimos barulho… Saímos para ver o que era e demos de cara com este enorme desastre… Parecia o fim do mundo. Desatámos a correr, fugimos como pudémos. Mas muita gente não conseguiu escapar. Eu perdi 2 filhos”, narrava um pescador da pequena vila de Valvettithurai, a 28 quilómetros de Point Pedro.
Um dos filhos que sobreviveram, olhava para mim e sorria, no meio do que restava da sua casa. Literalmente cortada ao meio pela violência das águas.
No Hospital de Valvettithurai, escutámos a voz da revolta da população tamil.  “Estão a fazer muitas coisas no Sul, como em Galle. O sul do Sri Lanka está a ter muito ajuda do governo, mas aqui é práticamente nula.”
Porquê?, perguntámos: -  “Porque somos um povo diferente. Para aqui não mandam dinheiro. Se as ONG’s não nos ajudassem, não sei como estaríamos a viver.”
Em Chevakachcheri, testemunhámos o terror deixado pela guerra entre os tigres tamil e as forças governamentais.
Um hospital devastado pelas bombas, pelo esquecimento, mas a funcionar na medida do possível, quiçá na medida do impossível. Vimos paredes pintadas por médicos e enfermeiros portugueses.
Pisámos o chão reconstruído com cimento amassado em horas que deveriam ter sido de descanso, mas que foram de trabalho solidário.
Quando entrevistámos o Dr. Niranjankumar, o Cláudio captou-lhe a voz embargada e os olhos emocionados. “Sem eles não conseguiríamos nada. Tenho de agradecer, especialmente à ASP, pelo trabalho que estão a fazer neste país…”
Ainda hoje oiço aquelas palavras.
E penso como estarão agora as pessoas a quem os voluntários portugueses levaram um sorriso de esperança. No Sri Lanka, pude ver com os meus olhos, a ASP fez o que tinha a fazer e deixou organizada uma estrutura para continuar esse trabalho. O planeamento de um Serviço de Nacional de Emergência Médica, à imagem do INEM, em Portugal; uma sala de emergência que dotou o hospital de Point Pedro de um serviço tão bem ou melhor equipado que algumas unidades portuguesas; uma sala de partos que não existia na província de Jaffna; a enfermaria de Valvettithurai; os projectos para reconstruir as enfermarias do hospital de Chevakachcheri, devastado pela guerra; o apoio ao Orfanato de Colombo; e muito, muito mais.
Um trabalho que levou até o governo do Sri Lanka a agradecer oficialmente à Associação Saúde em Português por ter sido a única ONG a concluir o trabalho que se propôs fazer naquele país, no prazo definido, ainda por cima numa região onde muito poucos tiveram a coragem de ajudar.

Sem comentários: